Lula chega a Jerusalém como novo mediador do conflito territorial; israelenses querem
Haifa, Israel - A visita do presidente Lula a Israel, que começa hoje e vai até terça-feira, deve ao mesmo tempo irritar e agradar os israelenses. Enquanto alguns rechaçam a oferta brasileira de mediar o conflito étnico e territorial do Oriente Médio, que consideram no mínimo estranha, vindo de um país tão alheio à discussão, outros estão encantados com a popularidade e o jogo de cintura internacional de Lula.
O líder brasileiro chega ao Oriente Médio em um momento de novo foco de tensão entre israelenses e palestinos. Israel anunciou na terça-feira a expansão dos assentamentos judeus na Cisjordânia com a construção de 1.600 novas casas em Jerusalém Oriental.
A decisão israelense estremeceu a retomada de negociações de paz e provocou vários protestos na região. A comunidade internacional, incluindo Brasil, EUA, ONU e Europeia, fez duras críticas ao governo de Israel.
O cenário de tensão é intensificado com os choques entre manifestantes e policiais em Jerusalém, após o fechamento temporário do acesso à Cisjordânia.
Apesar de deixar claro nas entrelinhas seu posicionamento pró-palestino, o líder brasileiro também busca proveito nessa aproximação. Em entrevista a jornalistas israelenses em São Paulo, na última sexta-feira, afirmou ter chegado “a hora de trazer para a arena novos participantes que possam fazer avançar novas ideias”. O porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach, confirmou que o presidente deve pressionar pela criação de um Estado palestino e pelo diálogo com o Irã durante a visita. O jornal israelense Haaretz rotulou o presidente como “profeta do diálogo”.
“É claro que o Brasil quer alcançar mais espaço no mundo, e resolver o conflito do Oriente Médio seria uma ótima forma de alcançar essa posição”, julga a editora-chefe da revista Jerusalem Report, Eetta Prince-Gibson. “A proposta soa estranha, mas seria interessante ter essa outra perspectiva, afinal, já vimos o que os EUA e a Europa podem fazer e nada funcionou.”
Marketing nacional
A melhora na imagem brasileira na última década surge como “case de sucesso” para um país que, desde sua criação há 62 anos, aplica um enorme aparato de relações públicas destinado a tornar tragável sua política para a população palestina.
A mais nova iniciativa nesse sentido é uma campanha do Ministério de Israel para Diplomacia Pública e a Diáspora que envolve a caricaturização da cobertura jornalística de Israel (veja em www.masbirim.gov.il). Em um dos vídeos, um repórter de língua inglesa apresenta um camelo e explica que o animal é usado “como meio de transporte de pessoas e até munições no deserto onde os israelenses vivem”. Em outro, uma repórter latina apresenta um churrasco israelense como uma forma de cocção primitiva. O narrador pergunta então se o espectador não está cansado da forma como Israel é retratado internacionalmente, e afirma ser possível mudar isso. Basta que cada israelense explique (“masbirim”) seu país pelo mundo afora. “É uma ideia interessante, porque todo israelense vai para o Exército e alguns passam anos fora do país”, diz a socióloga Yahel Kurlander, que serviu na Índia.
O detalhe é que, para funcionar, essa espécie de “divulgação-cidadã” precisa ser coordenada. “A população pode fazer estragos, se não souber identificar as contra-campanhas de outros países”, diz a empresária de comunicação virtual Paula Stern.
Como exemplo, ela cita a atuação do Exército israelense no resgate às vítimas do terremoto do Haiti, em janeiro. “Fomos os primeiros a aterrissar no país, apenas 15 horas após o tremor. Salvamos muitas vidas, mas agora a Síria iniciou uma campanha dizendo que Israel está lá para roubar órgãos”, reclama.
A imagem negativa é confirmada pelo diretor de uma escola para palestinos em Haifa, na costa israelense, Jalal Hassan. “Por causa de tudo que fizeram com eles, os judeus ficaram paranoicos. Veem o mundo todo como inimigos, especialmente nós. É como se usassem óculos o tempo todo para enxergar o que querem fazer de ruim com eles. Não é normal.”
A campanha de divulgação “viral” do governo israelense inclui ainda a formação de 70 grupos de trabalho para treinar os novos “embaixadores”, com destaque para atletas, homens de negócio, estudantes e acadêmicos.
Isso porque, além de reunir a elite formadora de opinião, é nas universidades mundo afora que israelenses como a jornalista Eetta dizem receber mais hostilidade. “Me senti ameaçada em uma universidade do Rio de Janeiro. Como população, não estávamos preparados para a campanha de deslegitimação que vem ocorrendo contra o país desde o início da década”, enfatiza.
Alguns vão mais longe, como a professora de Comunicação da Universidade de Haifa, Sondra Rubenstein. “Como eu poderia dizer que as relações públicas de Israel vão bem quando há pessoas organizando manifestações universitárias em que falam apenas extremistas palestinos?”, questiona. A maior falha da divulgação israelense, segundo ela, está no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Em outras áreas, como cooperação para o desenvolvimento, o trabalho é considerado satisfatório. Um programa do Ministério de Relações Exteriores, por meio de sua agência para a cooperação com o desenvolvimento (Mashav), já treinou 200 mil jovens nas mais diferentes áreas, em cursos de curta duração que levam profissionais de países pobres a Israel para ver o país “de dentro”. Fonte: Gazeta do Povo, reportagem de Helena Carnieri, enviada especial
Tradição
Exército tem jovens como “cartão de visita”
Helena Carnieri
Uma das ferramentas da diplomacia israelense no mundo são os soldados que o país envia todos os anos para outros países. Aqui, as Forças Armadas passam por fenômeno oposto ao que ocorre no Brasil: todos querem servir. Mesmo aqueles que poderiam ser liberados do serviço obrigatório, como filhos únicos ou cujo pai ou irmão morreram em serviço, com frequência se alistam.
“Eu quero muito servir na infantaria e fazer incursões no Líbano”, diz Gil Cohen, enquanto conversa com colegas num parque de Haifa, aparentemente despreocupado com a previsão de que uma nova guerra contra países árabes ocorra dentro de dois anos.
A informação teria sido conseguida pelo Exército, ele conta. A impressão de que o garoto de 17 anos não tem ideia da periculosidade que tal evento teria é desfeita rapidamente. “A maturidade com que os soldados saem do Exército é um dos melhores fenômenos. Enquanto garotos americanos estão fazendo besteira na faculdade, nós vemos a guerra e sabemos o que é a vida”, diz.
Enquanto os garotos servem três anos, meninas servem dois. Há, claro, exceções na empolgação militar da juventude. Masha Gerber quer ser dançarina e espera ser liberada do serviço. “Talvez achem que não tenho o físico para servir”, diz. (HC)
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