Não era exatamente a Sibéria. De qualquer forma, a então distante e fria Guarapuava (PR), onde havia uma falta terrível de mulheres, foi a primeira cidade a receber os condenados ao degredo pela Justiça brasileira no século 19, entre 1812 e 1859.
Na época, considerava-se importante ocupar a região, repleta de índios. Por isso, enviar para lá "alguns vadios e façinososos que na sua comarca perturbão o socego público, os creminosos e criminosas que setençear a degredo" era a recomendação, em 1811, do governador da capitania de São Paulo, António José da Franca e Horta, ao responsável pela comarca de Paranaguá --ainda não existia Paraná.
Quem pesquisou o assunto foi Fabio Pontarolo, historiador da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, que agora lança o livro "Homens de Ínfima Plebe" (editora Apicuri, 153 páginas, preço em torno de R$ 30).
Ele descobriu que boa parte dos degredados eram militares rebeldes, como oito soldados de Santos que, em 1821, revoltaram-se contra o atraso dos soldos e promoveram um quebra-quebra.
DESPROPORÇÃO
Na época, o frio nem era um problema tão grande em Guarapuava perto da falta de membros do sexo feminino.
Dos 60 casos documentados de degredados, só sete eram mulheres, e essa era mais ou menos a proporção na população no resto da área (em 1835, eram 712 habitantes).
Isso porque os outros moradores, em geral, eram povoadores pobres em busca de terra --e esses desbravadores costumavam ser homens.
O jeito era tentar algo com as índias das cercanias: a insistência do governo em ocupar a região vinha justamente da tentativa de incorporar esses povos. "Existia um patrocínio oficial à mestiçagem, mesmo uma compulsão por ela", diz Pantarolo.
Foi o que fez, por exemplo, José Gomes, um desses envolvidos na revolta de Santos, pioneiro no casamento com índias. Tinha, quando condenado, 18 anos, e recebeu pena de 20.
Aos 19, já estava casando com uma caingangue de 16 anos, que recebeu o nome da Bárbara. Ela era de uma família indígena que tinha se aproximado dos brancos. Seu pai tinha recebido o nome de Antônio e ajudou o padre local a catequizar os outros índios.
Prova de que a relação com os nativos não era tão pacífica, porém, é que, poucos anos antes de Bárbara se casar, Antônio foi assassinado por índios avessos à aproximação dos brancos.
Pior foi o destino de Mariano Antonio, colega de José Gomes --tão colega que eles chegaram ao degredo acorrentados um ao outro para que não fugissem no caminho para o sertão. Ele se casou com uma índia em 1823, apadrinhou quatro indiozinhos e foi testemunha de sete casamentos "mistos".
Em 1830, porém, sua mulher foi assassinada enquanto fazia farinha por índios contrários à miscigenação. Viúvo, sem filhos, Mariano sumiu da cidade quando a pena de dez anos acabou.
Em geral, porém, os degredados acabavam criando raízes, e boa parte ficou em Guarapuava até morrer, anos depois do fim das suas penas.
Sobreviviam mal plantando milho, feijão e com uma ou outra cabeça de gado, mas não teriam destino muito melhor em outros lugares.
Segundo Pontarolo, os degredados acabaram esquecidos na história de Guarapuava "Na festa de 200 anos da cidade, falou-se muito sobre os bandeirantes, sobre os grandes sobrenomes, mas não sobre eles."
Depois de Guarapuava, outras regiões de degredo surgiram, como na fronteira do Pará com o Mato Grosso.
PERFIL NO DEGREDO
Idade: jovens, cerca de 20 anos
Sexo: em geral, homens
Estado civil: solteiro (acabavam se casando com índias em Guarapuava, com quem geravam filhos mestiços
Nível escolar: analfabeto
Pena: 20 anos
Etnia: várias, mas em geral eram mestiços
Crime: com frequência participação em revoltas
Origem: várias regiões de São Paulo (na época, abrangia também o Paraná)
Fonte: Folha Online, reportagem de Ricardo Mioto
Na época, considerava-se importante ocupar a região, repleta de índios. Por isso, enviar para lá "alguns vadios e façinososos que na sua comarca perturbão o socego público, os creminosos e criminosas que setençear a degredo" era a recomendação, em 1811, do governador da capitania de São Paulo, António José da Franca e Horta, ao responsável pela comarca de Paranaguá --ainda não existia Paraná.
Quem pesquisou o assunto foi Fabio Pontarolo, historiador da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, que agora lança o livro "Homens de Ínfima Plebe" (editora Apicuri, 153 páginas, preço em torno de R$ 30).
Ele descobriu que boa parte dos degredados eram militares rebeldes, como oito soldados de Santos que, em 1821, revoltaram-se contra o atraso dos soldos e promoveram um quebra-quebra.
DESPROPORÇÃO
Na época, o frio nem era um problema tão grande em Guarapuava perto da falta de membros do sexo feminino.
Dos 60 casos documentados de degredados, só sete eram mulheres, e essa era mais ou menos a proporção na população no resto da área (em 1835, eram 712 habitantes).
Isso porque os outros moradores, em geral, eram povoadores pobres em busca de terra --e esses desbravadores costumavam ser homens.
O jeito era tentar algo com as índias das cercanias: a insistência do governo em ocupar a região vinha justamente da tentativa de incorporar esses povos. "Existia um patrocínio oficial à mestiçagem, mesmo uma compulsão por ela", diz Pantarolo.
Foi o que fez, por exemplo, José Gomes, um desses envolvidos na revolta de Santos, pioneiro no casamento com índias. Tinha, quando condenado, 18 anos, e recebeu pena de 20.
Aos 19, já estava casando com uma caingangue de 16 anos, que recebeu o nome da Bárbara. Ela era de uma família indígena que tinha se aproximado dos brancos. Seu pai tinha recebido o nome de Antônio e ajudou o padre local a catequizar os outros índios.
Prova de que a relação com os nativos não era tão pacífica, porém, é que, poucos anos antes de Bárbara se casar, Antônio foi assassinado por índios avessos à aproximação dos brancos.
Pior foi o destino de Mariano Antonio, colega de José Gomes --tão colega que eles chegaram ao degredo acorrentados um ao outro para que não fugissem no caminho para o sertão. Ele se casou com uma índia em 1823, apadrinhou quatro indiozinhos e foi testemunha de sete casamentos "mistos".
Em 1830, porém, sua mulher foi assassinada enquanto fazia farinha por índios contrários à miscigenação. Viúvo, sem filhos, Mariano sumiu da cidade quando a pena de dez anos acabou.
Em geral, porém, os degredados acabavam criando raízes, e boa parte ficou em Guarapuava até morrer, anos depois do fim das suas penas.
Sobreviviam mal plantando milho, feijão e com uma ou outra cabeça de gado, mas não teriam destino muito melhor em outros lugares.
Segundo Pontarolo, os degredados acabaram esquecidos na história de Guarapuava "Na festa de 200 anos da cidade, falou-se muito sobre os bandeirantes, sobre os grandes sobrenomes, mas não sobre eles."
Depois de Guarapuava, outras regiões de degredo surgiram, como na fronteira do Pará com o Mato Grosso.
PERFIL NO DEGREDO
Idade: jovens, cerca de 20 anos
Sexo: em geral, homens
Estado civil: solteiro (acabavam se casando com índias em Guarapuava, com quem geravam filhos mestiços
Nível escolar: analfabeto
Pena: 20 anos
Etnia: várias, mas em geral eram mestiços
Crime: com frequência participação em revoltas
Origem: várias regiões de São Paulo (na época, abrangia também o Paraná)
Fonte: Folha Online, reportagem de Ricardo Mioto
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