Estado tem 24 áreas com acentuado controle do crime organizado, a maior parte em Curitiba e região metropolitana
As facções criminosas do Paraná não têm força bélica e organizacional como as do Rio de Janeiro, mas conseguem impor o medo. Com base em estatísticas criminais e estudos de campo realizados pela Gazeta do Povo, identificou-se 23 áreas em todo o estado onde o tráfico exerce poder desmesurado, aterrorizando a população. O problema se acentua na região mais populosa, onde está a capital (veja quadro) e as cidades vizinhas, é o caso do Jardim Hamburguês, em Piraquara. Mas não é menos preocupante em municípios como Foz do Iguaçu, Cascavel, Ponta Grossa, Sarandi, Londrina e Guaratuba. Essas zonas cinzentas comportariam algo semelhante às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), instaladas nas favelas cariocas dominadas pelo narcotráfico.
Ouvidos pela reportagem, líderes comunitários e moradores de áreas dominadas pelo tráfico acreditam que o Paraná deve aproveitar os bons resultados das UPPs para fazer o mesmo. O estado tem uma experiência parecida, na Vila Osternack, em Curitiba, mas o programa, há seis meses, enfrenta falta de efetivo (Confira texto nesta página).
O avanço do problema no Paraná é que, capitalizados pela venda de drogas, os marginais buscam os vazios do estado, que não são poucos, para se instalar. Só Curitiba tem 258 ocupações irregulares, áreas preferidas pelos marginais para montar seus QGs. Não por acaso, essas localidades concentram os maiores índices de violência.
Na vila
Para o cientista político Pedro Bodê, da UFPR, estamos chegando ao extremo da falta de controle do poder público. As taxas de homicídios, diz ele, são um forte indicativo de que é preciso haver políticas públicas mais eficientes nesses locais. Um dos problemas é que a geografia das áreas de invasão é uma barreira para a chegada do Estado. Quase sempre próximas a rios, as favelas, quando dominadas por traficantes, ficam isoladas da cidade. No caso curitibano, Parolin e Torres são exceções.
Ocupadas há mais de 50 anos, as duas favelas estão perto do Centro e abastecem os pontos de venda de drogas na região central, isso quando o usuário não vai buscá-la pessoalmente. Cada uma dessas áreas registrou dez homicídios neste ano. Para a polícia, entre 70% e 80% dos assassinatos têm relação com drogas (acerto de contas, execução de usuário inadimplente, disputa de território). Dos 1.610 homicídios registrados neste ano na capital e região metropolitana, 102 foram no bairro Cidade Industrial de Curitiba (CIC), dos quais 20% ocorreram na área de influência do Morro do Piolho, pequeno aglomerado de casas às margens do Rio Barigui.
“Em março fez dois anos que minha filha foi baleada. Ela morreu por engano”, diz uma moradora do Morro do Piolho, que não quer se identificar. De acordo com ela, a polícia raramente aparece. Embora as casas fiquem num morro, a vila parece ser um problema menor se comparada aos cariocas. Mas não é. “O tráfico aqui é terrível. A polícia tinha que trabalhar mais”, critica uma moradora. Para ela, a ideia de ter no Morro do Piolho algo semelhante às UPPs traria mais tranquilidade às famílias. Outra mulher intervém na conversa para apoiar a ideia. “Seria importante por causa das crianças. Elas crescem vendo isso. Já tive filho drogado, filha traficante”, conta.
Segundo o presidente do Conselho de Segurança da CIC, Walter César, há pontos onde até a polícia tem receio de entrar. Embora o poder público não reconheça o problema, os moradores sabem das restrições de acesso a determinados locais. Duas localidades do bairro já sofreram com o toque de recolher imposto pelos traficantes, caso da Vila Verde e do Morro do Piolho. Nesse último, um grupo ligado ao tráfico chegou a usar a rádio comunitária para avisar sobre o toque de recolher. A Polícia Militar nega esse tipo de controle pelo tráfico.
Segundo Walter César, as características e os motivos dos homicídios são sempre os mesmos: jovens mortos por causa do tráfico. “O poder público tenta fazer alguma coisa, mas o poder do tráfico é muito ramificado”, diz Walter. Ele ressalta que com o novo comando no 13.º Batalhão da PM, responsável pela segurança do bairro, tem havido ações positivas. “Ouvir as pessoas tem facilitado, tem dado visibilidade à polícia e confiança à população”. Para ele, a instalação de uma UPP, com um modelo adaptado à realidade do Paraná, seria importante porque traz não só segurança, mas conceitos sociais e culturais. “Mais vale um bom papo do que uma ação judiciária”, resume.
Já na parte velha da Terra Santa, no Tatuquara, nem o nome abençoado livrou-a das imposições do tráfico. Ao ver a reportagem, um rapaz comentou: “Será que teve morte?” O mesmo acontece no Parolin. “Quem morreu?” Repetida com naturalidade por diferentes pessoas à medida que o carro da reportagem avança, a pergunta revela bem mais do que a mórbida curiosidade de quem mora na ali, a famosa favela plantada no Anel Central de Curitiba.
A imprensa só costuma aparecer atraída pela desgraça, o que não é muito diferente com a polícia. Daí não ser exatamente uma surpresa um grupo de garotas e, duas quadras adiante, alguns rapazes perguntarem quem foi o eliminado da vez. As especulações correm soltas nas vielas, que de dia estão tomadas por uma gente ociosa – sem trabalho e sem lazer – e à noite são controladas pelo tráfico de drogas.
“Sempre tem 10, 15 pessoas fumando”, relata uma moradora sobre a Rua Querubim, local de movimento intenso de tráfico e consumo de drogas. Sem poder contar até com os serviços dos Correios, eles reclamam a presença policial. “De noite não entram aqui”, diz outra. Das pessoas ouvidas pela reportagem, todas gostariam que o local recebesse um projeto semelhante às UPPs. Fonte: Gazeta do Povo, reportagem de Mauri König, Diego Ribeiro e Aline Peres
As facções criminosas do Paraná não têm força bélica e organizacional como as do Rio de Janeiro, mas conseguem impor o medo. Com base em estatísticas criminais e estudos de campo realizados pela Gazeta do Povo, identificou-se 23 áreas em todo o estado onde o tráfico exerce poder desmesurado, aterrorizando a população. O problema se acentua na região mais populosa, onde está a capital (veja quadro) e as cidades vizinhas, é o caso do Jardim Hamburguês, em Piraquara. Mas não é menos preocupante em municípios como Foz do Iguaçu, Cascavel, Ponta Grossa, Sarandi, Londrina e Guaratuba. Essas zonas cinzentas comportariam algo semelhante às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), instaladas nas favelas cariocas dominadas pelo narcotráfico.
Ouvidos pela reportagem, líderes comunitários e moradores de áreas dominadas pelo tráfico acreditam que o Paraná deve aproveitar os bons resultados das UPPs para fazer o mesmo. O estado tem uma experiência parecida, na Vila Osternack, em Curitiba, mas o programa, há seis meses, enfrenta falta de efetivo (Confira texto nesta página).
O avanço do problema no Paraná é que, capitalizados pela venda de drogas, os marginais buscam os vazios do estado, que não são poucos, para se instalar. Só Curitiba tem 258 ocupações irregulares, áreas preferidas pelos marginais para montar seus QGs. Não por acaso, essas localidades concentram os maiores índices de violência.
Na vila
Para o cientista político Pedro Bodê, da UFPR, estamos chegando ao extremo da falta de controle do poder público. As taxas de homicídios, diz ele, são um forte indicativo de que é preciso haver políticas públicas mais eficientes nesses locais. Um dos problemas é que a geografia das áreas de invasão é uma barreira para a chegada do Estado. Quase sempre próximas a rios, as favelas, quando dominadas por traficantes, ficam isoladas da cidade. No caso curitibano, Parolin e Torres são exceções.
Ocupadas há mais de 50 anos, as duas favelas estão perto do Centro e abastecem os pontos de venda de drogas na região central, isso quando o usuário não vai buscá-la pessoalmente. Cada uma dessas áreas registrou dez homicídios neste ano. Para a polícia, entre 70% e 80% dos assassinatos têm relação com drogas (acerto de contas, execução de usuário inadimplente, disputa de território). Dos 1.610 homicídios registrados neste ano na capital e região metropolitana, 102 foram no bairro Cidade Industrial de Curitiba (CIC), dos quais 20% ocorreram na área de influência do Morro do Piolho, pequeno aglomerado de casas às margens do Rio Barigui.
“Em março fez dois anos que minha filha foi baleada. Ela morreu por engano”, diz uma moradora do Morro do Piolho, que não quer se identificar. De acordo com ela, a polícia raramente aparece. Embora as casas fiquem num morro, a vila parece ser um problema menor se comparada aos cariocas. Mas não é. “O tráfico aqui é terrível. A polícia tinha que trabalhar mais”, critica uma moradora. Para ela, a ideia de ter no Morro do Piolho algo semelhante às UPPs traria mais tranquilidade às famílias. Outra mulher intervém na conversa para apoiar a ideia. “Seria importante por causa das crianças. Elas crescem vendo isso. Já tive filho drogado, filha traficante”, conta.
Segundo o presidente do Conselho de Segurança da CIC, Walter César, há pontos onde até a polícia tem receio de entrar. Embora o poder público não reconheça o problema, os moradores sabem das restrições de acesso a determinados locais. Duas localidades do bairro já sofreram com o toque de recolher imposto pelos traficantes, caso da Vila Verde e do Morro do Piolho. Nesse último, um grupo ligado ao tráfico chegou a usar a rádio comunitária para avisar sobre o toque de recolher. A Polícia Militar nega esse tipo de controle pelo tráfico.
Segundo Walter César, as características e os motivos dos homicídios são sempre os mesmos: jovens mortos por causa do tráfico. “O poder público tenta fazer alguma coisa, mas o poder do tráfico é muito ramificado”, diz Walter. Ele ressalta que com o novo comando no 13.º Batalhão da PM, responsável pela segurança do bairro, tem havido ações positivas. “Ouvir as pessoas tem facilitado, tem dado visibilidade à polícia e confiança à população”. Para ele, a instalação de uma UPP, com um modelo adaptado à realidade do Paraná, seria importante porque traz não só segurança, mas conceitos sociais e culturais. “Mais vale um bom papo do que uma ação judiciária”, resume.
Já na parte velha da Terra Santa, no Tatuquara, nem o nome abençoado livrou-a das imposições do tráfico. Ao ver a reportagem, um rapaz comentou: “Será que teve morte?” O mesmo acontece no Parolin. “Quem morreu?” Repetida com naturalidade por diferentes pessoas à medida que o carro da reportagem avança, a pergunta revela bem mais do que a mórbida curiosidade de quem mora na ali, a famosa favela plantada no Anel Central de Curitiba.
A imprensa só costuma aparecer atraída pela desgraça, o que não é muito diferente com a polícia. Daí não ser exatamente uma surpresa um grupo de garotas e, duas quadras adiante, alguns rapazes perguntarem quem foi o eliminado da vez. As especulações correm soltas nas vielas, que de dia estão tomadas por uma gente ociosa – sem trabalho e sem lazer – e à noite são controladas pelo tráfico de drogas.
“Sempre tem 10, 15 pessoas fumando”, relata uma moradora sobre a Rua Querubim, local de movimento intenso de tráfico e consumo de drogas. Sem poder contar até com os serviços dos Correios, eles reclamam a presença policial. “De noite não entram aqui”, diz outra. Das pessoas ouvidas pela reportagem, todas gostariam que o local recebesse um projeto semelhante às UPPs. Fonte: Gazeta do Povo, reportagem de Mauri König, Diego Ribeiro e Aline Peres
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