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segunda-feira, 26 de julho de 2010

Mutirão revela falhas no sistema judiciário e penal

Paraná tem mais da metade dos seus 29.557 detentos recolhidos em delegacias e cadeias públicas, grande parte sem assistência e em celas insalubres superlotadas

CNJ encontrou dois processos para o mesmo réu, presos incluídos no regime errado, detentos sem advogado, e demora no alvará de soltura

Relatório final do mutirão carcerário realizado no Paraná pelo Conselho Nacional de Jus­tiça (CNJ) aponta falhas no sistema judiciário e penal do estado. Instauração de dois processos de execução para o mesmo réu, demora para cumprir alvarás, falta de acompanhamento da execução penal pelo juiz responsável, presos do regime semi-aberto cumprido pena no regime fechado, falta de assistência jurídica aos detentos, sistema de informática deficiente, Varas de Execução Penal com infraestrutura precária são exemplos dos problemas revelados pelo maior mutirão feito pelo CNJ no país até o momento.

Ontem, a reportagem da Gazeta do Povo mostrou a situação dos presos no Paraná e o abismo existente entre as unidades prisionais mantidas pela Secretaria de Estado de Segu­rança Pública (Sesp) e as mantidas pela Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Seju). Porém, de acordo com o coordenador do mutirão carcerário no Paraná, juiz Éder Jorge, os problemas no estado não se resumem a isso.

Segundo ele, uma questão que chama atenção é justamente a existência de um grande número (não se sabe quanto) de detentos do regime semiaberto cumprindo pena em celas do regime fechado, por falta de vagas em unidades adequadas. Só para a Colônia Penal Agrícola, unidade destinada ao regime semiaberto, há uma fila de espera de 1.037 presos. “Isso não é uma situação comum no resto do país. E percebemos que no Paraná isso não é uma situação pontual. Encontramos situações assim em todas as regiões do estado”, afirma Jorge. “Se uma dessas pessoas morre, o Estado vai ser chamado à responsabilidade”, alerta.

De acordo com as regras jurisprudenciais dos tribunais superiores brasileiros, quando faltam vagas no regime semiaberto o preso não pode deixar de ter o benefício por falha do Estado. Para esses casos recomendam-se duas alternativas: regime domiciliar ou liberar o preso durante o dia e recolhê-lo à cela do regime fechado durante a noite. “Enquanto não existir vaga, não pode ficar dia e noite preso, sem direito à semiliberdade”, diz Jorge.

A situação no estado é grave, concorda o procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Pro­­mo­­­­­­torias de Justiça Criminal, do Júri e de Execuções Penais do Ministério Público, Ernani de Souza Cubas Júnior. “É uma irregularidade flagrante”, afirma. Mas a situação já vem sendo tratada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), pondera o desembargador José Laurindo de Souza Netto, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e da diretoria da Asso­cia­­ção dos Magis­trados do Pa­­raná (Amapar). “Isso já vem sendo feito. Há um provimento para adaptar as condições do regime fechado para o regime semiaberto.”

Além da falta de vagas no sistema penitenciário, ocorre ainda outro problema verificado no estado. De acordo com Jorge, é comum dois processos de execução para o mesmo preso. Isso acontece porque são emitidas duas guias de execução, nos casos em que o réu é condenado em uma comarca em que não existe Vara de Execução Penal (VEP) e aguarda vaga para remoção. “Isso causa confusão na execução do processo. O TJ está vendo isso porque gerou muitos problemas”, afirma.

Carência de estrutura nas VEPs e sistemas de informática deficitários também foram problemas encontrados no estado. “Falta estrutura de pessoal. Há poucos servidores e sem qualificação. É necessário que o TJ dote melhor as Varas de Execução”, diz Jorge. Segundo Souza Netto, esse é um problema já conhecido. “As VEPs são as menos dotadas de estrutura, seja material ou humana”, comenta.

Um dos resultados deixados pelo mutirão é uma norma editada pelo CNJ que passou a valer para o país todo: a Resolução 108. De acordo com Jorge, verificou-se que no Paraná havia alvarás de soltura que demoravam até 60 dias para serem cumpridos. “Baixamos a resolução e os alvarás têm de ser cumpridos agora em 24 horas”, explica.

A reportagem procurou ouvir o TJ-PR sobre as conclusões do CNJ, mas a assessoria de imprensa informou não ter sido possível contatar o novo presidente, Celso Rotoli de Macedo , o único que poderia responder às questões.

Resultados
Iniciativa vai ajudar a corrigir erros

Veja alguns resultados do mutirão carcerário: instituição de software específico para cálculo de pena; pressão política para tirar a Defensoria Publica do papel; edição da Resolução 108/CNJ para todo o país, para que os alvarás passem a ser cumpridos no máximo em 24 horas; interdição de delegacias (2º Distrito de Londrina, 12º Distrito de Curitiba, Delegacia de Furtos e Roubos de Curitiba, 9º Distrito de Colombo); estudos para a construção da Casa de Custódia de Ponta Grossa para aliviar a Cadeia Pública Hildebrando de Souza; remoção de presos com regime semiaberto concedido, mas que cumpriam pena no fechado; 21.437 processos analisados e 3.527 benefícios de liberdade ou semiliberdade concedidos.

Presença
Não basta decidir, tem de participar

Um dos problemas evidenciados pelo mutirão carcerário foi a necessidade de maior participação dos juízes na execução da pena. “Os juízes ficaram mais espertos para questão da execução penal. O juiz tem de fazer visita mensal. A execução é tão importante quando a condenação”, opina o coordenador do mutirão no Paraná, juiz Éder Jorge. “Não basta ir à administração do presídio, tem que conversar com os presos, sentir o problema. Isso não é nenhum favor. É obrigação”, conclui. O desembargador José Laurindo de Souza Netto rebate as críticas. “A atividade do juiz deve ser valorizada. Não dá para tirar água de pedra. Nem sempre passa pela vontade do juiz, trabalha-se com material reduzido e há um esforço profundo para suprir as deficiências”, diz.Fonte: Gazeta do Povo, reportagem de Themys Cabral

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