Em seis anos, dobrou o número de casos de homicídios de crianças e adolescentes de 10a 19 anos no Paraná, que está em quinto lugar nesse tipo de crime
Flávio da Silva dos Santos, 16 anos, tinha o sonho de ser pai. Jéssica Picolo, 13, queria ser modelo. Antônio Sergio Freitas de Lima, 16, planejava uma vida nova com o recente nascimento de seu primeiro filho. O destino dos três adolescentes, no entanto, foi interrompido pela violência.
Flávio foi assassinado com dois tiros sete dias após ter atirado, no dia 30 de junho, contra um menino de 3 anos por motivos desconhecidos, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba (RMC). No início de junho, Antônio, o Tonhão, foi morto com cinco tiros enquanto caminhava com sua namorada pela Vila Zumbi dos Palmares, em Colombo, na região metropolitana de Curitiba (RMC). Jéssica foi vítima de um crime brutal cometido contra ela e sua mãe, no início do ano. Quatro dias depois de desaparecida, foi encontrada morta, com perfurações de faca, no pesque-pague da família, na Borda do Campo, em São José dos Pinhais, também na região de Curitiba.
Barbárie sem explicação
Há cinco meses, Idolino Pícolo, 52 anos, mantém a mesma rotina. Todos os dias, ele entrega leite ordenhado de algumas vacas que vivem em sua propriedade na Borda do Campo, de casa em casa. Era proprietário de um pesque-pague na região, mas a sua vida mudou drasticamente desde o dia 19 de janeiro. Após um assalto ocorrido na propriedade da família, a mulher, Marilize Pícolo, 46 anos, foi morta a facadas e a filha sequestrada. Quatro dias depois, o corpo de Jéssica, 13 anos, foi encontrado dentro de um tanque de peixes, a três quilômetros da propriedade.
Tráfico é o que mais mata
O tráfico de drogas está entre os principais motivos de crimes contra crianças e adolescentes. Na terça-feira passada, Flávio da Silva Santos, conhecido como Flavinho, 16 anos, foi morto com dois tiros no pescoço, em um campo de futebol no bairro Jardim Independência. Com ele, foram encontradas 50 pedras de crack.
O que aproxima as três histórias citadas acima é a faixa etária das vítimas. Segundo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Criança (Unicef), divulgado recentemente, há cada vez mais crianças e adolescentes assassinados no estado. Entre 2000 e 2006, dobrou no Paraná a taxa de homicídios de crianças e jovens, na faixa etária dos 10 e 19 anos de idade – de 15,6 para 30,6 a cada mil habitantes. Nesses seis anos, o estado ficou em oitavo lugar no aumento de casos no país. Com isso, ocupou o quinto lugar entre as unidades da federação com o maior índice. Em 2000, era o 14º (veja infográfico).
Na região metropolitana de Curitiba, um levantamento feito pela Gazeta do Povo entre 2008 e 2009, mostra que a taxa de homicídios entre jovens e crianças diminuiu 17,7%. Passou de 90 para 74 casos, de janeiro a 22 de junho dos dois anos, segundo registros do Instituto Médico-Legal (IML). A maioria das mortes estaria relacionada ao tráfico e ao uso de drogas, brigas de gangues e desentendimento entre familiares, nessa ordem.
A formação inadequada do adolescente é uma das causas apontadas por Márcia Caldas, presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), para o aumento dos índices de criminalidade nessa faixa etária. “Estamos completando 19 anos da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e vivemos uma negação da sua essência. A sociedade ainda coloca a culpa no Estatuto por essa anomalia social em relação à sua juventude”, comenta. Para Márcia, houve avanços nesse período. “Não adianta culpar o adolescente. Vivemos um retrocesso no enfrentamento da violência dos jovens. Falta perspectiva de futuro, o ensino não é atrativo e estamos perdendo nossas crianças e adolescentes para as drogas”, diz.
O sociólogo Júlio Jacobo, responsável pela pesquisa “Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros”, divulgada no ano passado pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), ressalta que estudos têm demonstrado nos últimos anos que a faixa etária na qual mais cresce o índice de homicídios está entre os 15 e 17 anos. “Há uma espécie de incentivo e ingresso do jovem na criminalidade. Faltam alternativas para a juventude”, diz. Para Jacobo, a solução está na combinação harmoniosa entre a repressão, proteção e prevenção. “Se a repressão não funciona, impulsiona o crime. Não adianta esperar ocorrer para depois prevenir, é preciso detectar onde está ocorrendo e colocar barreiras protetivas. Assim como a prevenção deve ser feita para combater o problema em sua raiz”, afirma.
Estatísticas contestadas
Para a secretária estadual da Criança e da Juventude, Thelma Alves de Oliveira, as estatísticas relacionadas ao crime precisam ser contextualizadas. “O Paraná aparece porque tem uma medida eficiente. Toda vez que fazemos um comparativo com outros estados temos problemas sérios, pois os sistemas de informações são diferentes”, diz. A secretária explica que são usados vários dados para a implantação de políticas públicas de combate e prevenção voltadas às crianças e aos adolescentes. “É uma maneira de chegarmos numa medida mais próxima à realidade.”
De acordo com a secretária, o estado já trabalha com o fato de que cerca de 70% dos homicídios têm alguma relação com o tráfico de drogas. “Esse índice também é estendido à criança e ao adolescente. E o adolescente em conflito com a lei está mais vulnerável”, diz. A secretária destaca um conjunto de ações de políticas públicas que estão sendo desenvolvidas em 35 comunidades paranaenses, iniciados no mês passado. “Temos todo um esforço de combate ao tráfico. O Paraná é uma rota e não podemos nos abstrair disso. Mas temos de tentar salvar aqueles que parecem não ter mais saída e oferecer uma perspectiva de formação do indivíduo e dos cidadãos”, diz.
A Secretaria de Estado da Segurança Pública informou por meio de sua assessoria de imprensa que antes de avaliar os números da pesquisa é necessário esclarecer que os dados fornecidos pelos estados, através do sistema do Ministério da Saúde, apresentam divergências em sua cobertura, não representando a totalidade dos crimes registrados o que inviabilizaria qualquer comparação. A secretaria ainda informou que o Sistema de Geoprocessamento separa os números por local e tempo, não por faixas etárias.
Já o sociólogo Jacobo ressalta que os dados usados pelo Unicef e Ritla são quase unânimes e se referem aos registros de mortes, feitos pelo Ministério da Saúde. “Houve um aumento geral da criminalidade no Paraná nos últimos dez anos que não se limita à faixa etária. Não há o que discutir com atestado de óbito. O estado tem de responder com força de segurança. A violência não é um tsunami, há medidas e políticas para enfrentá-la. Basta olhar para o estado vizinho, São Paulo, e verificar que houve redução da criminalidade nos últimos dez anos”, afirma.
Fonte: Gazeta do Povo
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sábado, 11 de julho de 2009
Sonhos interrompidos pelo crime
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