A graça é tudo. Só não é de graça. Os teólogos dizem que ela é “preveniente” (antecede a decisão e o esforço humanos), “eficaz” (o que Deus propõe e cumpre não falha), “irresistível” (o chamado é tal que o favorecido não consegue fazer-se de surdo) e “suficiente” (ela pode salvar perfeitamente os que se aproximam de Deus por meio de Cristo). Porém todos são obrigados a acreditar e a proclamar que a graça não é de graça.
A remoção do pecado e da culpa não é feita de qualquer modo. A tese multissecular é que “não havendo derramamento de sangue não há perdão de pecados” (Hb 9.22, NTLH). Nem na antiga aliança nem na nova. A graça, definida pelo teólogo Gerson Luís Linden como o “favor imerecido de Deus manifestado àqueles que mereciam apenas condenação”, custa um preço muito alto, como salienta o apóstolo Pedro:
“Vocês sabem que não foi por meio de coisas perecíveis como prata ou ouro que vocês foram redimidos de sua maneira vazia de viver, mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha e defeito” (1Pe 1.19).
A partir da leitura de Levítico, o terceiro livro da Bíblia, onde “os conceitos de pecado, sacrifício e expiação são usados no Novo Testamento para interpretar a morte de Cristo” (Bíblia de Estudos Genebra, p. 129), é fácil -- e até emocionante -- descobrir que a graça não é de graça.
De acordo com as cerimônias e os rituais estabelecidos por Deus e entregues ao povo de Israel, todos que quebrassem, propositalmente ou não, uma das leis do Senhor e fizessem o que é proibido teriam de oferecer um sacrifício pelo pecado. Não importava se o transgressor fosse um cidadão comum, alguém revestido de autoridade ou o próprio sumo sacerdote; não importava se fosse um indivíduo ou o povo todo (Lv 4.1-35) -- ninguém seria dispensado do sacrifício. Os ricos teriam de oferecer um bovino de grande porte; os de classe média, um caprino de pequeno porte; os pobres, duas aves: rolas ou pombos; e os que estivessem abaixo da linha de pobreza, apenas um quilo da melhor farinha (Lv 5.7-13).
Os sacrifícios servem para tirar o pecado e a culpa por ele deixada. As expressões “tirar pecados” e “tirar a culpa do pecado cometido” aparecem dezenas de vezes em Levítico e em Números. Esta última tem alguns sinônimos significativos: “Conseguir o perdão”, “ficar livre da culpa” ou “pagar a dívida” (Lv 4–6).
Se quebrar uma das leis do Senhor, a pessoa “ficará impura e também culpada” e “merecerá castigo” (5.1-2). Porém, se essa mesma pessoa confessar seu pecado e oferecer ao Senhor um animal “como sacrifício para tirar a culpa do pecado que cometeu”, ela “será perdoada” (4.31, 35; 5.10). As duas possibilidades são opostas entre si: em uma situação a pessoa fica impura e culpada; na outra, purificada e desculpada.
O processo do perdão começa com a consciência do pecado: “Se uma pessoa do povo, sem querer, quebrar uma das leis de Deus e for culpada de fazer aquilo que o Senhor proibiu, “logo que for avisada de que cometeu o pecado”, trará como sua oferta a Deus uma cabra sem defeito, para tirar o pecado que cometeu” (Lv 4.27-28, NTLH). Esse aviso de cometimento de pecado pode vir por meio da reação da consciência não cauterizada, de uma estranha tristeza interior, de alguma dor ou sofrimento, de orações não respondidas, da leitura ou exposição das Escrituras, da indicação de algum servo de Deus, da palavra acusatória do Espírito Santo ou por meio de alguma providência da misericórdia divina. J. I. Packer, no devocionário “O Conhecimento de Deus ao Longo do Ano” (Editora Ultimato), diz que Deus “continua odiando os pecados de seu povo e usa todo tipo de dor e aflição, interiores e exteriores, para desarraigar seus corações da transigência e da desobediência” (p. 81).
Moisés deixa claro que as tais “leis de Deus” exigem mais do que se supõe. A pessoa pode pecar e ofender a Deus “nos seguintes casos: se ficar com aquilo que alguém lhe entregou para guardar; se não devolver o que alguém deixou como garantia de pagamento de alguma dívida; se roubar alguma coisa de alguém; se usar de violência contra qualquer pessoa; se jurar que não achou um objeto perdido quando, de fato achou; ou se fizer contra alguém qualquer outra coisa parecida com estas” (Lv 6.2-3, NTLH). Para ficar livre da culpa de uma ou de todas essas faltas, o pecador, além de confessar e oferecer sacrifícios, deverá fazer os reparos necessários. No caso de alguma apropriação indébita, o culpado entregará à vítima “o valor total do que roubou, mais um quinto” (Lv 6.4-7).
Se todo o cerimonial for feito de acordo com as instruções, a oferta queimada produzirá “um cheiro agradável a Deus” (Lv 1.9, NTLH). Essa expressão aparece cerca de quinze vezes em Levítico e assinala o bom resultado do sacrifício e a desejada justificação do pecador.
Outra orientação significativa é dada por Moisés a Arão e seus descendentes: “O fogo do altar nunca se apagará; deverá ficar sempre aceso. Todas as manhãs, o sacerdote porá lenha no fogo, arrumará por cima a oferta que vai ser completamente queimada e queimará a gordura das ofertas de paz” (Lv 6.12, NTLH). A justiça de Deus precisa ser aplacada continuamente com o cheiro da oferta queimada e o pecador precisa estar continuamente seguro da sua justificação. A expiação é uma graça continuada.
O ser humano, em qualquer época, cultura ou lugar, está preso entre sua pecaminosidade e a santidade de Deus. Ele é absolutamente pecador e Deus é absolutamente santo. Por essa razão, ele depende exclusivamente da graça de Deus para ter comunhão com ele, se livrar do pecado, conseguir perdão, ter suas dívidas pagas, para não arder no Geena, onde o fogo também não se apaga (Mc 9.13-44). Essa graça existe, mas não é de graça. Ela custou a vida, não de um cordeiro qualquer, mas do Cordeiro de Deus, que “tira o pecado do mundo” (Jo 1.29)! Veja Agnus Dei.
Fonte: Revista Ultimato
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domingo, 7 de junho de 2009
A graça não é de graça
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