Martin Chalfie, biólogo premiado com o Nobel de Química de 2008.
A partir da próxima segunda-feira, um comitê em Estocolmo anuncia os Prêmios Nobel das ciências de 2009. Martin Chalfie, chefe do departamento de ciências biológicas da Columbia University, ganhou, no ano passado, o Prêmio Nobel de Química. Os ganhadores do prêmio de química de 2008 foram Osamu Shimomura, Roger Y. Tsien e Chalfie, pela descoberta e desenvolvimento da proteína verde fluorescente (do inglês green fluorescent protein, ou GFP). “Com a ajuda da GFP”, disse o comitê, “os pesquisadores desenvolveram formas de observar processos antes invisíveis, como o desenvolvimento de neurônios no cérebro ou como as células cancerosas se espalham”.
Chalfie, 62 anos, falou ao jornal The New York Times em seu escritório na Columbia University, onde ele dirige o departamento de ciências biológicas. Segue abaixo uma versão editada da entrevista, de três horas de duração.
Porcos fluorescentes: pesquisa vencedora do Nobel de Química de 2008 revolucionou a Biologia e a Medicina
Revolução - Uma ferramenta aos cientistas
A descoberta e desenvolvimento da proteína de uma água-viva brilhante que faz células, tecidos e até mesmo órgãos parecerem acesos – que mereceu o Nobel de Química de 2008 – se transformou em uma ferramenta hoje usada por milhares de cientistas no mundo todo.
“Hoje, podemos olhar para dentro de um animal e descobrir que um determinado gene começou a funcionar, quando começou a funcionar e quando a proteína correspondente foi fabricada e para onde foi”, diz Martin Chalfie, um dos premiados com o Nobel.
É verdade que você estava dormindo e não atendeu à ligação que deveria lhe informar sobre o Prêmio Nobel?
É verdade. Sabe, quando você tem a sorte de fazer um bom trabalho, as pessoas fazem coisas horríveis – começam a dizer: “Você pode ganhar o Nobel”. Então, quando chega a primeira semana de outubro, você perde um pouco o sono. No último mês de outubro, não dormi bem na noite anterior ao anúncio do prêmio de medicina. Mas não recebi nenhuma ligação. Eles anunciam o prêmio de química dois dias depois. Bem, naquela noite, ouvi um telefone tocando, como se estivesse longe, mas pensei que fosse o do vizinho. Então, acordei às 6h10 da manhã do dia seguinte e deduzi que o prêmio de química tinha ido para outra pessoa. Abri meu laptop e entrei no site nobelprize.org para ver quem foi o idiota que tinha recebido o prêmio. Aí vi meu nome, junto com Osamu Shimomura e Roger Tsien. Eu era “o idiota”.
Você é biólogo. Ficou surpreso em ter ganhado o Nobel de química?
O prêmio era, na verdade, para a molécula. Em 1962, Osamu Shimomura descobriu uma proteína em uma água-viva que fazia com que ela brilhasse em um tom verde. Com colegas, 30 anos depois, pude inserir esse gene GFP em bactérias e torná-las verde. Quando fizemos isso, foi aberta a possibilidade de usar a GFP como um tipo de lanterna natural dentro de animais e plantas, permitindo-nos ver células ou partes delas. Roger Tsien levou a questão mais adiante criando uma paleta inteira de cores a partir da GFP, o que nos dá identificação para podermos ver mais processos à medida que eles ocorrem. O grande avanço é que agora podemos ver tudo isso em tempo real.
Como o Prêmio Nobel mudou sua vida?
O principal é que ele me transformou em alguém que é ouvido. As pessoas geralmente não ouvem muito os cientistas. Durante uma coletiva de imprensa em Columbia, dada no dia em que fui premiado, afirmei que estava assinando uma petição imediatamente de premiados pelo Nobel, em apoio à candidatura de Barack Obama à Presidência; isso foi apenas algumas semanas antes das eleições. Se fosse uma semana antes, ninguém ligaria para o meu voto. De resto, tudo segue mais ou menos igual. Sou presidente de um departamento de biologia, e ainda tenho que conseguir verba e espaço para os alunos. Ainda tenho que pedir financiamento para minha pesquisa, que é julgada como a de qualquer outra pessoa. Ninguém do Instituto Nacional de Saúde diz: “Ah, ele ganhou o Nobel, vamos dar o dinheiro a ele”.
Como você começou a estudar a GFP?
Na verdade, até sei o dia em que ouvi falar dela pela primeira vez. Isso porque tenho um pedaço de papel cheio de anotações empolgadas que eu tomei – dia 25 de abril de 1989. Tínhamos uma série de seminários aqui e o neurobiólogo Paul Brehm era o palestrante convidado. Em sua apresentação, ele mencionou como Osamu Shimomura estava estudando essa água-viva que tinha uma proteína capaz de fornecer uma luz verde quando lançamos ultravioleta sobre ela. Havia uma década que eu estudava uma minhoca transparente, a C. elegans. Imediatamente pensei: se pudéssemos colocar o gene GFP na C. elegans, poderíamos ver processos biológicos em animais vivos. Até então, tínhamos de matá-los e prepara quimicamente seus tecidos para visualizar proteínas ou genes ativos dentro das células. Porém aquela visão era estática: queríamos ver a progressão dos eventos à medida que as células mudavam com o tempo. Fiquei tão empolgado. Não conseguia mais prestar atenção na palestra de Brehm. Fiquei fantasiando sobre todas as coisas maravilhosas que poderíamos fazer. Passei o dia seguinte tentando encontrar quem mais estava trabalhando com a GFP. Descobri que Douglas Prasher estava tentando clonar o DNA: imediatamente concordamos em trabalhar juntos. Porém, devido a uma série de mal-entendidos, perdemos o contato. Ele tinha achado que eu tinha largado a ciência. Em 1992, nos reencontramos. Um mês depois, usando o DNA que ele tinha nos mandado, inserimos a proteína na E. coli, que ficou verde quando lançamos ultravioleta sobre ela. Pudemos, então, fazer a mesma coisa com a C. elegans.
Voltando ao Nobel, como você se preparou para a cerimônia formal em Estocolmo?
Meu amigo Bob Horvitz, que ganhou o prêmio de medicina em 2002, tentou me preparar. Ele disse: “Você vai a um ensaio antes da cerimônia e eles vão te mostrar um vídeo de Paul Nurse (chefe da Rockefeller University) aceitando o prêmio porque eles querem te mostrar o que não fazer”. Aparentemente, você deve caminhar até o rei, aceitar sua medalha, apertar a mão dele e se curvar para o rei e os eleitores. Então, você se curva para a plateia. Paul fez isso, mas quando ele voltou para sua cadeira, ele levantou à mão, estilo Rocky Balboa, e fez: “Yesssss!” Parece que eles não aprovaram esse comportamento. Quando chegamos a Estocolmo, eles não nos mostraram o vídeo de Paul Nurse. Na cerimônia, depois que eu me curvei para o rei, os eleitores e a plateia, vi minha mulher e minha filha na terceira fila, e soltei um beijo para elas. Depois, na recepção, conhecemos uma tal de Condessa Alice, que nos disse: “Em todos os anos de cerimônia que presenciei, nunca vi ninguém fazer aquilo!” Agora, temo que eles passem a mostrar meu vídeo como exemplo do que não fazer. Fonte: The New York Times/Gazeta do Povo
A partir da próxima segunda-feira, um comitê em Estocolmo anuncia os Prêmios Nobel das ciências de 2009. Martin Chalfie, chefe do departamento de ciências biológicas da Columbia University, ganhou, no ano passado, o Prêmio Nobel de Química. Os ganhadores do prêmio de química de 2008 foram Osamu Shimomura, Roger Y. Tsien e Chalfie, pela descoberta e desenvolvimento da proteína verde fluorescente (do inglês green fluorescent protein, ou GFP). “Com a ajuda da GFP”, disse o comitê, “os pesquisadores desenvolveram formas de observar processos antes invisíveis, como o desenvolvimento de neurônios no cérebro ou como as células cancerosas se espalham”.
Chalfie, 62 anos, falou ao jornal The New York Times em seu escritório na Columbia University, onde ele dirige o departamento de ciências biológicas. Segue abaixo uma versão editada da entrevista, de três horas de duração.
Porcos fluorescentes: pesquisa vencedora do Nobel de Química de 2008 revolucionou a Biologia e a Medicina
Revolução - Uma ferramenta aos cientistas
A descoberta e desenvolvimento da proteína de uma água-viva brilhante que faz células, tecidos e até mesmo órgãos parecerem acesos – que mereceu o Nobel de Química de 2008 – se transformou em uma ferramenta hoje usada por milhares de cientistas no mundo todo.
“Hoje, podemos olhar para dentro de um animal e descobrir que um determinado gene começou a funcionar, quando começou a funcionar e quando a proteína correspondente foi fabricada e para onde foi”, diz Martin Chalfie, um dos premiados com o Nobel.
É verdade que você estava dormindo e não atendeu à ligação que deveria lhe informar sobre o Prêmio Nobel?
É verdade. Sabe, quando você tem a sorte de fazer um bom trabalho, as pessoas fazem coisas horríveis – começam a dizer: “Você pode ganhar o Nobel”. Então, quando chega a primeira semana de outubro, você perde um pouco o sono. No último mês de outubro, não dormi bem na noite anterior ao anúncio do prêmio de medicina. Mas não recebi nenhuma ligação. Eles anunciam o prêmio de química dois dias depois. Bem, naquela noite, ouvi um telefone tocando, como se estivesse longe, mas pensei que fosse o do vizinho. Então, acordei às 6h10 da manhã do dia seguinte e deduzi que o prêmio de química tinha ido para outra pessoa. Abri meu laptop e entrei no site nobelprize.org para ver quem foi o idiota que tinha recebido o prêmio. Aí vi meu nome, junto com Osamu Shimomura e Roger Tsien. Eu era “o idiota”.
Você é biólogo. Ficou surpreso em ter ganhado o Nobel de química?
O prêmio era, na verdade, para a molécula. Em 1962, Osamu Shimomura descobriu uma proteína em uma água-viva que fazia com que ela brilhasse em um tom verde. Com colegas, 30 anos depois, pude inserir esse gene GFP em bactérias e torná-las verde. Quando fizemos isso, foi aberta a possibilidade de usar a GFP como um tipo de lanterna natural dentro de animais e plantas, permitindo-nos ver células ou partes delas. Roger Tsien levou a questão mais adiante criando uma paleta inteira de cores a partir da GFP, o que nos dá identificação para podermos ver mais processos à medida que eles ocorrem. O grande avanço é que agora podemos ver tudo isso em tempo real.
Como o Prêmio Nobel mudou sua vida?
O principal é que ele me transformou em alguém que é ouvido. As pessoas geralmente não ouvem muito os cientistas. Durante uma coletiva de imprensa em Columbia, dada no dia em que fui premiado, afirmei que estava assinando uma petição imediatamente de premiados pelo Nobel, em apoio à candidatura de Barack Obama à Presidência; isso foi apenas algumas semanas antes das eleições. Se fosse uma semana antes, ninguém ligaria para o meu voto. De resto, tudo segue mais ou menos igual. Sou presidente de um departamento de biologia, e ainda tenho que conseguir verba e espaço para os alunos. Ainda tenho que pedir financiamento para minha pesquisa, que é julgada como a de qualquer outra pessoa. Ninguém do Instituto Nacional de Saúde diz: “Ah, ele ganhou o Nobel, vamos dar o dinheiro a ele”.
Como você começou a estudar a GFP?
Na verdade, até sei o dia em que ouvi falar dela pela primeira vez. Isso porque tenho um pedaço de papel cheio de anotações empolgadas que eu tomei – dia 25 de abril de 1989. Tínhamos uma série de seminários aqui e o neurobiólogo Paul Brehm era o palestrante convidado. Em sua apresentação, ele mencionou como Osamu Shimomura estava estudando essa água-viva que tinha uma proteína capaz de fornecer uma luz verde quando lançamos ultravioleta sobre ela. Havia uma década que eu estudava uma minhoca transparente, a C. elegans. Imediatamente pensei: se pudéssemos colocar o gene GFP na C. elegans, poderíamos ver processos biológicos em animais vivos. Até então, tínhamos de matá-los e prepara quimicamente seus tecidos para visualizar proteínas ou genes ativos dentro das células. Porém aquela visão era estática: queríamos ver a progressão dos eventos à medida que as células mudavam com o tempo. Fiquei tão empolgado. Não conseguia mais prestar atenção na palestra de Brehm. Fiquei fantasiando sobre todas as coisas maravilhosas que poderíamos fazer. Passei o dia seguinte tentando encontrar quem mais estava trabalhando com a GFP. Descobri que Douglas Prasher estava tentando clonar o DNA: imediatamente concordamos em trabalhar juntos. Porém, devido a uma série de mal-entendidos, perdemos o contato. Ele tinha achado que eu tinha largado a ciência. Em 1992, nos reencontramos. Um mês depois, usando o DNA que ele tinha nos mandado, inserimos a proteína na E. coli, que ficou verde quando lançamos ultravioleta sobre ela. Pudemos, então, fazer a mesma coisa com a C. elegans.
Voltando ao Nobel, como você se preparou para a cerimônia formal em Estocolmo?
Meu amigo Bob Horvitz, que ganhou o prêmio de medicina em 2002, tentou me preparar. Ele disse: “Você vai a um ensaio antes da cerimônia e eles vão te mostrar um vídeo de Paul Nurse (chefe da Rockefeller University) aceitando o prêmio porque eles querem te mostrar o que não fazer”. Aparentemente, você deve caminhar até o rei, aceitar sua medalha, apertar a mão dele e se curvar para o rei e os eleitores. Então, você se curva para a plateia. Paul fez isso, mas quando ele voltou para sua cadeira, ele levantou à mão, estilo Rocky Balboa, e fez: “Yesssss!” Parece que eles não aprovaram esse comportamento. Quando chegamos a Estocolmo, eles não nos mostraram o vídeo de Paul Nurse. Na cerimônia, depois que eu me curvei para o rei, os eleitores e a plateia, vi minha mulher e minha filha na terceira fila, e soltei um beijo para elas. Depois, na recepção, conhecemos uma tal de Condessa Alice, que nos disse: “Em todos os anos de cerimônia que presenciei, nunca vi ninguém fazer aquilo!” Agora, temo que eles passem a mostrar meu vídeo como exemplo do que não fazer. Fonte: The New York Times/Gazeta do Povo
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