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domingo, 4 de outubro de 2009

“As pessoas não ouvem os cientistas”

Martin Chalfie, biólogo premiado com o Nobel de Química de 2008.

A partir da próxima segunda-feira, um comitê em Estocolmo anuncia os Prêmios Nobel das ciências de 2009. Martin Chalfie, chefe do departamento de ciências biológicas da Columbia Uni­­versity, ganhou, no ano passado, o Prêmio Nobel de Química. Os ganhadores do prêmio de química de 2008 foram Osamu Shi­­momura, Roger Y. Tsien e Chal­­fie, pela descoberta e desenvolvimento da proteína verde fluorescente (do inglês green fluorescent protein, ou GFP). “Com a ajuda da GFP”, disse o comitê, “os pesquisadores desenvolveram formas de observar processos antes invisíveis, como o desenvolvimento de neurônios no cé­­rebro ou como as células cancerosas se espalham”.

Chalfie, 62 anos, falou ao jornal The New York Times em seu escritório na Columbia Univer­­sity, onde ele dirige o departamento de ciências biológicas. Segue abaixo uma versão editada da entrevista, de três horas de duração.

Porcos fluorescentes: pesquisa vencedora do Nobel de Química de 2008 revolucionou a Biologia e a Medicina

Revolução - Uma ferramenta aos cientistas
A descoberta e desenvolvimento da proteína de uma água-viva brilhante que faz células, tecidos e até mesmo órgãos parecerem acesos – que mereceu o Nobel de Química de 2008 – se transformou em uma ferramenta hoje usada por milhares de cientistas no mundo todo.

“Hoje, podemos olhar para dentro de um animal e descobrir que um determinado gene começou a funcionar, quando começou a funcionar e quando a proteína correspondente foi fabricada e para onde foi”, diz Martin Chalfie, um dos premiados com o Nobel.
É verdade que você estava dormindo e não atendeu à ligação que deveria lhe informar sobre o Prêmio Nobel?

É verdade. Sabe, quando você tem a sorte de fazer um bom trabalho, as pessoas fazem coisas horríveis – começam a dizer: “Você pode ganhar o Nobel”. En­­tão, quando chega a primeira semana de outubro, você perde um pouco o sono. No último mês de outubro, não dormi bem na noite anterior ao anúncio do prêmio de medicina. Mas não recebi nenhuma ligação. Eles anunciam o prêmio de química dois dias depois. Bem, naquela noite, ouvi um telefone tocando, como se estivesse longe, mas pensei que fosse o do vizinho. Então, acordei às 6h10 da manhã do dia seguinte e deduzi que o prêmio de química tinha ido para outra pessoa. Abri meu laptop e entrei no site nobelprize.org para ver quem foi o idiota que tinha recebido o prêmio. Aí vi meu nome, junto com Osamu Shimomura e Roger Tsien. Eu era “o idiota”.

Você é biólogo. Ficou surpreso em ter ganhado o Nobel de química?

O prêmio era, na verdade, para a molécula. Em 1962, Osamu Shi­­momura descobriu uma proteína em uma água-viva que fazia com que ela brilhasse em um tom verde. Com colegas, 30 anos depois, pude inserir esse gene GFP em bactérias e torná-las verde. Quando fizemos isso, foi aberta a possibilidade de usar a GFP como um tipo de lanterna natural dentro de animais e plantas, permitindo-nos ver células ou partes delas. Roger Tsien le­­vou a questão mais adiante criando uma paleta inteira de cores a partir da GFP, o que nos dá identificação para podermos ver mais processos à medida que eles ocorrem. O grande avanço é que agora podemos ver tudo isso em tempo real.

Como o Prêmio Nobel mudou sua vida?

O principal é que ele me transformou em alguém que é ouvido. As pessoas geralmente não ouvem muito os cientistas. Durante uma coletiva de imprensa em Colum­­bia, dada no dia em que fui premiado, afirmei que estava assinando uma petição imediatamente de premiados pelo Nobel, em apoio à candidatura de Ba­­rack Obama à Presidência; isso foi apenas algumas semanas an­­tes das eleições. Se fosse uma se­­mana antes, ninguém ligaria pa­­ra o meu voto. De resto, tudo se­­gue mais ou menos igual. Sou presidente de um departamento de biologia, e ainda tenho que conseguir verba e espaço para os alunos. Ainda tenho que pedir financiamento para minha pesquisa, que é julgada como a de qualquer outra pessoa. Ninguém do Instituto Nacional de Saúde diz: “Ah, ele ganhou o Nobel, vamos dar o dinheiro a ele”.

Como você começou a estudar a GFP?

Na verdade, até sei o dia em que ouvi falar dela pela primeira vez. Isso porque tenho um pedaço de papel cheio de anotações empolgadas que eu tomei – dia 25 de abril de 1989. Tínhamos uma sé­­rie de seminários aqui e o neurobiólogo Paul Brehm era o palestrante convidado. Em sua apresentação, ele mencionou como Osamu Shimomura estava estudando essa água-viva que tinha uma proteína capaz de fornecer uma luz verde quando lançamos ultravioleta sobre ela. Havia uma década que eu estudava uma mi­­nhoca transparente, a C. elegans. Imediatamente pensei: se pudéssemos colocar o gene GFP na C. elegans, poderíamos ver processos biológicos em animais vivos. Até então, tínhamos de matá-los e prepara quimicamente seus tecidos para visualizar proteínas ou genes ativos dentro das células. Porém aquela visão era estática: queríamos ver a progressão dos eventos à medida que as células mudavam com o tempo. Fi­­quei tão empolgado. Não conseguia mais prestar atenção na palestra de Brehm. Fiquei fantasiando sobre todas as coisas ma­­ravilhosas que poderíamos fazer. Passei o dia seguinte tentando encontrar quem mais estava trabalhando com a GFP. Descobri que Douglas Prasher estava tentando clonar o DNA: imediatamente concordamos em trabalhar juntos. Porém, devido a uma série de mal-entendidos, perdemos o contato. Ele tinha achado que eu tinha largado a ciência. Em 1992, nos reencontramos. Um mês depois, usando o DNA que ele tinha nos mandado, inserimos a proteína na E. coli, que fi­­cou verde quando lançamos ul­­travioleta sobre ela. Pudemos, então, fazer a mesma coisa com a C. elegans.

Voltando ao Nobel, como você se preparou para a cerimônia formal em Estocolmo?

Meu amigo Bob Horvitz, que ga­­nhou o prêmio de medicina em 2002, tentou me preparar. Ele dis­­­­se: “Você vai a um ensaio antes da cerimônia e eles vão te mostrar um vídeo de Paul Nurse (chefe da Rockefeller University) aceitando o prêmio porque eles querem te mostrar o que não fazer”. Aparentemente, você deve caminhar até o rei, aceitar sua medalha, apertar a mão dele e se curvar para o rei e os eleitores. Então, você se curva para a plateia. Paul fez isso, mas quando ele voltou para sua cadeira, ele levantou à mão, estilo Rocky Balboa, e fez: “Yesssss!” Parece que eles não aprovaram esse comportamento. Quando chegamos a Estocol­­mo, eles não nos mostraram o vídeo de Paul Nurse. Na cerimônia, depois que eu me curvei pa­­ra o rei, os eleitores e a plateia, vi minha mulher e minha filha na terceira fila, e soltei um beijo pa­­ra elas. Depois, na recepção, co­­nhe­­cemos uma tal de Condessa Alice, que nos disse: “Em todos os anos de cerimônia que presenciei, nunca vi ninguém fazer aqui­­lo!” Agora, temo que eles passem a mostrar meu vídeo como exemplo do que não fazer. Fonte: The New York Times/Gazeta do Povo

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