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sábado, 21 de novembro de 2009

Os espiões de Hitler no Brasil

Rede de espionagem foi montada aproveitando a simpatia de Getúlio Vargas pelo nazifascismo

Não é segredo para ninguém que a ditadura do Estado Novo (1937-1945) chegou a flertar com o Eixo antes de alinhar-se aos Aliados e declarar guerra à Alemanha, à Itália e ao Japão. A própria Constituição outorgada por Getúlio Vargas tinha inspiração nazifascista. Movimentos como a Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada pelo jornalista Plínio Salgado e pelo jurista Miguel Reale, tinham nítida influência do ideário do führer Adolf Hitler e do duce Benito Mussolini. Nesse cenário, ideias racistas e totalitárias floresceram no Brasil. O que permaneceu por mais de meio século fora do conhecimento da maior parte dos brasileiros foi a rede de espionagem montada no país por simpatizantes do nazismo. “Era uma espécie de braço da Abwerh [serviço de informações das forças armadas do Terceiro Reich]”, explica a professora Priscila Ferreira Perazzo, da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, cujas teses de mestrado e doutorado tratam do assunto.

Com a abertura dos arquivos dos antigos De­­partamentos de Ordem Política e Social (Dops) das polícias civis dos estados brasileiros, nos anos 90 do século passado, milhares de documentos sobre o nazismo no Brasil vieram à tona. São inquéritos policiais, imagens fotográficas, panfletos, depoimentos e relatórios que hoje estão disponíveis para consulta em arquivos públicos. Fundada em 1928, a célula brasileira do Partido Nazista atuou por mais de dez anos, chegando a reunir 2,9 mil filiados. Com sede nacional em São Paulo, o partido tinha escritórios regionais no Rio (então capital federal), Minas e Rio Grande do Sul.

País teve campos de concentração
Depois que o Brasil declarou guerra às potências do Eixo, alemães nazistas, suspeitos e espiões foram presos, processados e condenados a penas de 20 a 30 anos de prisão. Mas os campos de concentração montados pela ditadura Vargas também receberam cidadãos detidos somente por terem ascendência alemã. De 1942 a 1945, cerca de 3 mil “súditos do Eixo” – alemães, japoneses e italianos – foram levados a mais de uma dezena de campos de concentração distribuídos por vários estados – oficialmente, eram 12 (veja lista nesta página). Em Curitiba e Porto Alegre, os detidos ficaram em presídios comuns. Os maiores campos estavam em Pindamonhangaba e Guaratinguetá, no Vale do Paraíba paulista.

Havia ainda outros campos, cuja existência não era reconhecida oficialmente. Imigrantes alemães de Ponta Grossa foram encaminhados a um campo de concentração no município pelo simples fato de falarem alemão ou possuírem exemplares de publicações na língua materna. Em Joinville, 200 presos foram colocados num hospício desativado. Um campo de concentração no Recife abrigou os funcionários das Casas Pernambucanas, apenas pelo fato de os seus patrões terem origem alemã.

O presídio de Ilha Grande, no Rio, abrigava os acusados de liderar o esquema de espionagem. Entre os alemães detidos em Ilha Grande, o mais famoso é o escritor Hans Curt Werner Meyer-Clason, hoje com 95 anos, que vive em Munique. Conhecido no meio literário como um dos maiores tradutores para a língua alemã de obras de autores lusófonos, ele até hoje nega qualquer envolvimento com espionagem nazista, alegando ter vindo ao Brasil justamente para fugir do regime hitlerista.

Ari Silveira

Os campos oficiais
Doze locais foram escolhidos pelo governo para receber presos de origem alemã, italiana ou japonesa:

> Daltro Filho, em Porto Alegre (RS)

> Trindade, em Florianópolis (SC)

> Curitiba

> Guaratinguetá (SP)

> Pindamonhangaba (SP)

> Bauru (SP)

> Pirassununga (SP)

> Ribeirão Preto (SP)

> Pouso Alegre (MG)

> Niterói (RJ)

> Chã de Estêvão, em Araçoiaba (PE)

> Tomé-Açu (PA)
Embora atuassem nas cidades com forte presença da comunidade alemã, os nazistas que atuaram no Brasil pouco se assemelhavam aos colonos que migraram para o Brasil no século 19. Eram militantes treinados na Alemanha que vinham ao país com a missão de propagar a ideologia hitlerista, atuando inclusive como professores nas escolas mantidas pela comunidade alemã. Descendentes de alemães nascidos no Brasil não eram admitidos no partido, que não se envolvia diretamente com a política nacional, embora o departamento de propaganda alemão fizesse um trabalho intenso buscando a simpatia da opinião pública brasileira. Oscilando ora para o lado do Eixo, ora com acenos aos Aliados, o regime de Vargas tolerou durante anos as atividades nazistas no Brasil. Oficialmente proibido no país em 1938, o Partido Nazista continuou em funcionamento até a entrada do Brasil na guerra contra o Eixo, em 1942.

Subitamente transformados em inimigos da pátria, alemães, italianos e japoneses passaram a sofrer intensa perseguição no país. A repressão deixou muitas vítimas inocentes, mas também desmascarou um grande número de espiões. Um dos mais importantes foi Albrecht Gustav Engels, que estava entre os líderes do esquema. Ele foi detido em janeiro de 1943, no Rio. Segundo a professora Priscila, grande parte das fontes de informação do serviço de espionagem nazista atuava de forma amadora. Eram pessoas comuns que revelavam o que sabiam ou repassavam o que ouviam de terceiros aos informantes do Terceiro Reich.

De acordo com o Dops de Santa Catarina, a espionagem alemã atuava no Brasil tanto individualmente quanto em redes. Os espiões que agiam de forma individual enviavam os dados que coletavam à Alemanha, seja por meio do Partido Nazista ou de entidades como clubes e associações. As redes de espionagem, por sua vez, buscavam informações variadas sobre o país, incluindo aspectos como política interna, estratégias de guerra, geografia litorânea e movimentação nos portos e aeroportos. Para enviar suas informações ao regime alemão sem serem descobertos, os espiões empregavam diversos recursos, tais como tinta invisível, pseudônimos, símbolos nos passaportes, códigos telegráficos, correspondência para endereços disfarçados, microfotografias e emissoras piratas de rádio.

Serviço:
Para saber mais sobre a atuação dos serviços de espionagem alemães no Brasil, leia os livros A guerra secreta de Hitler no Brasil, do brasilianista Stanley Hilton, e O perigo alemão e a repressão policial no Estado Novo, de Priscila Ferreira Perazzo. Fonte: Gazeta do Povo, reportagem de Ari Silveira

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