Durante os anos de chumbo, polícia civil maringaense mantinha arquivo de militantes de esquerda de todo o País. Há 15 anos, os documentos foram queimados, mas parte foi salva
Fernando Gabeira, Cide Benjamin, João Salgado e outros envolvidos no famoso sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969, provavelmente nunca estiveram em Maringá. Muito menos cometeram algum crime por aqui, mas suas fichas fizeram parte do acervo da polícia da cidade até 15 anos atrás. A revelação está em um lote de 21 fichas, a que a reportagem de O Diário teve acesso esta semana, preenchidas entre 1969 e 1974 pela Polícia Civil de Maringá.
Elas detalham um pedaço da história recente do País, que muitas vezes é ignorado. Mostram que os chamados “anos de chumbo”, da ditadura militar que dominou o Brasil de 1964 a 1985, não se restringiram aos grandes centros como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, mas atingiram cada recanto do País. Na antiga delegacia da esquina das avenidas Paraná e Guairá, por exemplo, funcionava um serviço de coleta de dados sobre os cidadãos e mantinha o Estado informado sobre suas atividades “subversivas”.
As fichas faziam parte do acervo da 9ª Subdivisão Policial de Maringá e foram incineradas há cerca de 15 anos, quando a delegacia informatizou seu fichário. Como não tinham mais utilidade para a polícia, os documentos foram queimados, mas um pequeno lote foi salvo, secretamente, por uma das pessoas que participou da operação.
Sem se identificar, o cidadão que manteve as fichas em seu poder até agora, resolveu entregá-las ao jornal para se tornarem públicas, com o compromisso de que, depois de publicada a reportagem, elas sejam doadas ao museu da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Nacionais e locais
O lote é dividido em duas partes. A primeira contém as fichas dos procurados nacionais e a segunda, com dados dos “bandidos” locais. Dentre os “terroristas” nacionais, cinco figuras históricas se destacam. O mais famoso é o deputado federal Fernando Paulo Nagle Gabeira (PV), registrado na ficha número 1.168.
O documento informa que Gabeira, que usava a “alcunha de Honório”, era procurado pelo sequestro do embaixador americano no Brasil, e acusado pelo crime de terrorismo. Pelo mesmo crime, são identificados Joaquim Câmara Ferreira, Helena Bocaiuva Khair, Cide de Queirós Benjamin — o “Billi” — e João Lopes Salgado — o “Dino”.
Para a pessoa que recolheu e guardou as fichas descartadas pela polícia, o que mais impressiona são os detalhes, a qualidade das informações, as fotos dos procurados e a diversidade das origens, transmitidas para todo o País, numa época em que não havia as facilidades das comunicações atuais.
“Isso demonstra a organização mantida pelo Estado na época”. Do Rio Grande do Sul, por exemplo, havia a ficha do “terrorista e assaltante de bancos, homicida procurado pela polícia de todo o País, inclusive pelo Exército Brasileiro”, José Maria Ferreira Alves, o “cabo Mariane”, acusado de roubar armas de um quartel de Porto Alegre.
Dentre as fichas que não conseguiu salvar, o doador conta que havia muitas curiosidades e pérolas, como a da pessoa que foi presa por “pensar” em cometer um crime. “Li a ficha, mas não consegui salvá-la”, recorda. A ficha contava que o cidadão foi preso no centro de Maringá, por “estar pensando em cometer um crime”. Libertado por ordem de uma autoridade, a pessoa foi presa horas mais tarde, “por continuar pensando em cometer um crime.
A polícia da época parece que tinha essa capacidade, de ler pensamentos”, brinca. As fichas dos procurados nacionais lista ainda várias pessoas, todas classificadas como terroristas, assaltantes de bancos e homicidas.
Baixo meretrício
Entre as fichas dos cidadãos locais, há pérolas como a ficha 648, da “prostituta” Katia, detida várias vezes em 1970 por “trottoir malicioso” e vadiagem, além de histórias que revelam como era viver naquela época. É o caso do cidadão identificado pela ficha 313, que atendia pelo apelido de “Nini”, preso depois de ser denunciado por uma colega de trabalho, por estar “instigando empregados — da empresa onde trabalhava — à revolta”.
Pelo que diz a ficha, “Nini” reclamou do atraso do pagamento. Ou ainda, o “perigoso” Carlos, preso por roubar leite numa mercearia, identificado na ficha 415, como um “reincidente ladrão de garrafas”. Mas o mais curioso, talvez, sejam as do “jornalista Jangada”, fichas 522 e 523. Jangada foi preso várias vezes em 1970, segundo suas fichas, por “jogar baralho a dinheiro”, o famoso “pif-paf”, sempre na zona do baixo meretrício.
Numa das vezes em que foi preso ele teria desacatado as autoridades, “taxando-as de vagabundos, covardes e outras palavras inconfessáveis”. Não satisfeito, Jangada ainda chamou os policiais para briga e os ameaçou de morte. Na ficha, o elemento que se “intitula como jornalista, sempre argumenta ser amigo do prefeito e do governador. É intempestivo, violento e perigosíssimo”. Não há registros de que fim levou o perigoso jornalista viciado no carteado. Fonte: O Diário, reportagem de Edmundo Pacheco
Fernando Gabeira, Cide Benjamin, João Salgado e outros envolvidos no famoso sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969, provavelmente nunca estiveram em Maringá. Muito menos cometeram algum crime por aqui, mas suas fichas fizeram parte do acervo da polícia da cidade até 15 anos atrás. A revelação está em um lote de 21 fichas, a que a reportagem de O Diário teve acesso esta semana, preenchidas entre 1969 e 1974 pela Polícia Civil de Maringá.
Elas detalham um pedaço da história recente do País, que muitas vezes é ignorado. Mostram que os chamados “anos de chumbo”, da ditadura militar que dominou o Brasil de 1964 a 1985, não se restringiram aos grandes centros como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, mas atingiram cada recanto do País. Na antiga delegacia da esquina das avenidas Paraná e Guairá, por exemplo, funcionava um serviço de coleta de dados sobre os cidadãos e mantinha o Estado informado sobre suas atividades “subversivas”.
As fichas faziam parte do acervo da 9ª Subdivisão Policial de Maringá e foram incineradas há cerca de 15 anos, quando a delegacia informatizou seu fichário. Como não tinham mais utilidade para a polícia, os documentos foram queimados, mas um pequeno lote foi salvo, secretamente, por uma das pessoas que participou da operação.
Sem se identificar, o cidadão que manteve as fichas em seu poder até agora, resolveu entregá-las ao jornal para se tornarem públicas, com o compromisso de que, depois de publicada a reportagem, elas sejam doadas ao museu da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Nacionais e locais
O lote é dividido em duas partes. A primeira contém as fichas dos procurados nacionais e a segunda, com dados dos “bandidos” locais. Dentre os “terroristas” nacionais, cinco figuras históricas se destacam. O mais famoso é o deputado federal Fernando Paulo Nagle Gabeira (PV), registrado na ficha número 1.168.
O documento informa que Gabeira, que usava a “alcunha de Honório”, era procurado pelo sequestro do embaixador americano no Brasil, e acusado pelo crime de terrorismo. Pelo mesmo crime, são identificados Joaquim Câmara Ferreira, Helena Bocaiuva Khair, Cide de Queirós Benjamin — o “Billi” — e João Lopes Salgado — o “Dino”.
Para a pessoa que recolheu e guardou as fichas descartadas pela polícia, o que mais impressiona são os detalhes, a qualidade das informações, as fotos dos procurados e a diversidade das origens, transmitidas para todo o País, numa época em que não havia as facilidades das comunicações atuais.
“Isso demonstra a organização mantida pelo Estado na época”. Do Rio Grande do Sul, por exemplo, havia a ficha do “terrorista e assaltante de bancos, homicida procurado pela polícia de todo o País, inclusive pelo Exército Brasileiro”, José Maria Ferreira Alves, o “cabo Mariane”, acusado de roubar armas de um quartel de Porto Alegre.
Dentre as fichas que não conseguiu salvar, o doador conta que havia muitas curiosidades e pérolas, como a da pessoa que foi presa por “pensar” em cometer um crime. “Li a ficha, mas não consegui salvá-la”, recorda. A ficha contava que o cidadão foi preso no centro de Maringá, por “estar pensando em cometer um crime”. Libertado por ordem de uma autoridade, a pessoa foi presa horas mais tarde, “por continuar pensando em cometer um crime.
A polícia da época parece que tinha essa capacidade, de ler pensamentos”, brinca. As fichas dos procurados nacionais lista ainda várias pessoas, todas classificadas como terroristas, assaltantes de bancos e homicidas.
Baixo meretrício
Entre as fichas dos cidadãos locais, há pérolas como a ficha 648, da “prostituta” Katia, detida várias vezes em 1970 por “trottoir malicioso” e vadiagem, além de histórias que revelam como era viver naquela época. É o caso do cidadão identificado pela ficha 313, que atendia pelo apelido de “Nini”, preso depois de ser denunciado por uma colega de trabalho, por estar “instigando empregados — da empresa onde trabalhava — à revolta”.
Pelo que diz a ficha, “Nini” reclamou do atraso do pagamento. Ou ainda, o “perigoso” Carlos, preso por roubar leite numa mercearia, identificado na ficha 415, como um “reincidente ladrão de garrafas”. Mas o mais curioso, talvez, sejam as do “jornalista Jangada”, fichas 522 e 523. Jangada foi preso várias vezes em 1970, segundo suas fichas, por “jogar baralho a dinheiro”, o famoso “pif-paf”, sempre na zona do baixo meretrício.
Numa das vezes em que foi preso ele teria desacatado as autoridades, “taxando-as de vagabundos, covardes e outras palavras inconfessáveis”. Não satisfeito, Jangada ainda chamou os policiais para briga e os ameaçou de morte. Na ficha, o elemento que se “intitula como jornalista, sempre argumenta ser amigo do prefeito e do governador. É intempestivo, violento e perigosíssimo”. Não há registros de que fim levou o perigoso jornalista viciado no carteado. Fonte: O Diário, reportagem de Edmundo Pacheco
Nenhum comentário:
Postar um comentário